sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Lixo

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam. - Bom dia... - Bom dia. - A senhora é do 610. - E o senhor do 612 - É. - Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente... - Pois é... - Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo... - O meu quê? - O seu lixo. - Ah... - Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena... - Na verdade sou só eu. - Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata. - É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar... - Entendo.- A senhora também... - Me chame de você. - Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim... - É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra... - A senhora... Você não tem família? - Tenho, mas não aqui. - No Espírito Santo. - Como é que você sabe? - Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo. - É. Mamãe escreve todas as semanas. - Ela é professora? - Isso é incrível! Como foi que você adivinhou? - Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora. - O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo. - Pois é... - No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado. - É. - Más notícias? - Meu pai. Morreu. - Sinto muito. - Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos. - Foi por isso que você recomeçou a fumar? - Como é que você sabe? - De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo. - É verdade. Mas consegui parar outra vez. - Eu, graças a Deus, nunca fumei. - Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo... - Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou. - Você brigou com o namorado, certo? - Isso você também descobriu no lixo? - Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel. - É, chorei bastante, mas já passou. - Mas hoje ainda tem uns lencinhos... - É que eu estou com um pouco de coriza. - Ah. - Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo. - É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é. - Namorada? - Não. - Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha. - Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga. - Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte. - Você já está analisando o meu lixo! - Não posso negar que o seu lixo me interessou. - Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia. - Não! Você viu meus poemas? - Vi e gostei muito. - Mas são muito ruins! - Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados. - Se eu soubesse que você ia ler... - Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela? - Acho que não. Lixo é domínio público. - Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso? - Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que... - Ontem, no seu lixo... - O quê? - Me enganei, ou eram cascas de camarão? - Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei. - Eu adoro camarão. - Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode... - Jantar juntos? - É. - Não quero dar trabalho. - Trabalho nenhum. - Vai sujar a sua cozinha? - Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora. - No seu lixo ou no meu?
Luis Fernando Veríssimo

Personagem

Reginaldo Silveira é motorista e tem 48 anos, passa muito tempo trabalhando o que o deixa distante da família. Ele já esta no terceiro casamento, se e que se pode contar o primeiro como um casamento, pois não ouve cerimônia religiosa nem civil, e não chegou a durar nem um ano, a mulher o abandonou porque passava muito tempo sozinha, porque na época ele era caminhoneiro e às vezes ficava fora de casa por meses inteiros. O segundo casamento de Reginaldo foi muito feliz enquanto durou, principalmente depois do nascimento do filho. Mas um dia, quando ele chegou em casa e pegou a esposa com outro na cama, num ato impensado sacou a arma que carregava na cintura e matou os dois. Pegou o filho, que já estava dormindo e só passou na casa da mãe para se despedir, e depois nunca mais deu noticia. Assim que se instalou em outra cidade Reginaldo conseguiu emprego como motorista, só dessa vez era de uma empresa, não teria mais que ficar messes for de casa, nessa altura também já não podia mais, afinal de contas ele agora tinha que cuidar do filho sozinho. Um novo relacionamento amoroso não parecia propicio no momento, mas Reginaldo não conseguiu se render aos encantos de uma das secretarias da empresa onde estava trabalhando e foram morar juntos, ele, o filho e a nova esposa, depois de um tempo o filho de outro casamento da esposa de Reginaldo também veio morar com eles, devido ao falecimento do pai. Pouco depois a família aumenta, com o nascimento do único filho planejado pelo casal, embora os outros dois fossem tratados com o maior carinho por parte dos dois. Embora o amor e confiança que a esposa tenha por Reginaldo, ela carrega consigo uma grande dúvida: o passado do marido. Por que aquele homem tão honesto, trabalhador, bom pai e marido, esconde tanto o seu passado?

Paráfrase

Paráfrase é um texto feita a partir das idéias de outro texto, mantendo sua essência, mas utilizando outras palavras. Para fazer uma paráfrase, é preciso entender todas as idéias que o autor do texto original quis transmitir, em todos os seus detalhes. Veja um exemplo. “Para que se estabeleça uma relação social, é preciso que o sentido seja compartilhado. Na ação social, ele tem um motivo e age em relação a outro indivíduo, mas tal motivo não é compartilhado”. Paráfrase: Uma relação social é estabelecida através de um interesse compartilhado. Já a ação social, o indivíduo tem um interesse que é próprio, não é compartilhado, e age em relação a outro indivíduo.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Circuito Fechado

Banho. Roupa. Geladeira. Mochila. Ônibus. Bebedouro. Banheiro. Cantina. Banheiro. Bebedouro. Sala de aula. Xerox. Banheiro. Sala de aula. Bebedouro. Sala de aula. Cantina. Bebedouro. Sala de aula. Bebedouro. Sala de aula. Cantina. Bebedouro. Sala de aula. Banheiro. Bebedouro. Sala de Aula. Biblioteca. Sala de aula. Ônibus. Casa. Quarto. Mochila. Banheiro. Geladeira. Quarto. Banheiro. Quarto. Cama.

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